ANJOS À MINHA PORTA

...pobreza...
Marcados à nascença com o “estigma” da pobreza, e incompreensivelmente marginalizados por uma sociedade que não escolheram, mais de um terço das nossas crianças vivem na pele e no espírito, a infelicidade de aqui terem nascido.
Elas são o dano colateral da situação de calamidade em que o país se encontra, e que não o escolheram para nascer. Não sabendo defender-se, e com pais sem expediente para o fazer, as nossas crianças foram mergulhadas na fome e na miséria a todos níveis, por aqueles que sem escrúpulos de qualquer espécie, chamam por conveniência de “crise” que eles próprios provocaram.
A situação é dramática com acentuada gravidade no interior do país; os discursos inflamados de hipocrisia não se traduzem em pão para a boca das nossas crianças, que passam dias sem o comer; é notória a falta de gente no terreno, para constatar esta que é a maior vergonha para todos nós; deixar à míngua milhares de crianças que não têm quem as defenda.
Se isto é Portugal, então eu não me revejo neste país.
Francisco fez dois anos, desde os dois meses de idade que fica à guarda da tia com 10, é uma criança a cuidar de outra; até há pouco tempo nunca tinha visto um brinquedo pelo que não consegue dormir sem o que lhe foi recentemente oferecido, disse-me humildemente a sua mãe; o que está reservado para estas crianças, consideradas de menor valor pela sociedade logo à nascença, deveria ser uma preocupação constante para todos os portugueses; mas cada um olha egoisticamente para o seu próprio umbigo; (coitadinhos que pena, costumam dizer).
A principal preocupação dos governantes é o défice e a dívida, passando para último plano aqueles que no futuro a terão que pagar, com a agravante de serem as principais vítimas dela; não tendo no presente qualquer proveito ou responsabilidade na mesma.
É verdadeiramente impressionante e condenável, que esta realidade não tenha qualquer peso na consciência dos responsáveis; sendo que as dívidas que se estão a contrair, não são para assegurar o futuro das nossas crianças, mas para manter privilégios de muitos dos responsáveis por esta calamidade Nacional. As verdadeiras democracias europeias têm Portugal sob contínua vigilância; é que esta situação colide com os direitos humanos e proteção aos menores, pelo que lhes desperta uma sensibilidade acrescida.
As instituições de solidariedade estão à beira de colapsar, então será o caos; e isto será apenas o começo do que está para vir. Duplamente vítimas de uma situação que em nada contribuíram, quando chegarem à adolescência revoltar-se-ão contra a sociedade que os discriminou enquanto crianças; acabando muitos de nós por sermos os alvos da revolta acumulada na sua infância, marcada por injustiças e privações; é um ciclo que não pára porque será transmitido às gerações futuras, pelo que não será difícil adivinhar o que nos espera. Já se ouvem “arautos” clamarem por justiça, que foi por eles negada quando estavam no poder; por ironia esqueceram depressa que também foram os culpados, pelo estado a que chagamos; mas não será necessária porque as vítimas de hoje, serão implacáveis no futuro com todos os hipócritas que enriqueceram à custa do seu sofrimento; atirando para o lixo todas as placas toponímicas com os seus nomes.
* J. Vitorino, Colunista do Jornal de Oleiros
Portugal – Oeste
PS: Ao Francisco e a todas as crianças em Portugal, vítimas de tremendas injustiças.
Do Autor com todo o carinho.